“E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles
no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou.” Gênesis
4:8
A história da segunda geração da raça humana se revela tragicamente. Caim קַיִן (Kayn) e Abel הֶבֶל (Hevel), os filhos de Adão e Eva, trazem cada um a sua oferta a Deus.
Deus aceita a oferta de Abel, mas rejeita Caim e seus esforços. Incapaz de lidar com rejeição divina, aparentemente sem razão, um furioso Caim emerge, ataca e mata o seu irmão, eliminado para sempre o seu rival em potencial.
A história da segunda geração da raça humana se revela tragicamente. Caim קַיִן (Kayn) e Abel הֶבֶל (Hevel), os filhos de Adão e Eva, trazem cada um a sua oferta a Deus.
Deus aceita a oferta de Abel, mas rejeita Caim e seus esforços. Incapaz de lidar com rejeição divina, aparentemente sem razão, um furioso Caim emerge, ataca e mata o seu irmão, eliminado para sempre o seu rival em potencial.
Deus, em resposta a este terrível homicídio,
decreta que Caim viveria, apartir de então, exilado, expulso da
convivência social da época.
Analisando o texto de Gênesis 4:8, podemos
perceber que há uma omissão intrigante, notadamente logo no momento
clímax da história dos dois irmãos. A Torah
afirma, “E falou ( ויאמר va'yomer ) Caim com o seu irmão Abel”, porém não é registrada nenhuma pista do conteúdo da conversa ocorrida entre os filhos de Adam e
Chava.
E o que Caim teria dito a Abel? Porque o Gênesis
inicia essa conversação, mas não faz o seu registro por completo? Note
que em hebraico temos duas palavras que
possuem o significado da palavra "falou", va'yedaber e va'yomer.
A palavra hebraica va'yedaber (falou) é usada para simplesmente informar que uma conversa foi iniciada. Mas no texto em estudo, a palavra
utilizada é va'yomer (falou), que na Torah sempre se
refere a um tipo específico de comunicação verbal, e que invariavelmente
é seguido pelo texto da conversa em
questão.
Mas nesta passagem, o texto da possível conversa que teria ocorrido entre Caim e Abel, não é registrado. Qual seria o motivo?
A Tradição Oral Sobre Caim e Abel
Níveis de Interpretação
O rabino Hilel (20 A.C.), estudioso da Lei de
Moisés, construiu sete métodos de interpretação, que foram
posteriormente expandidos para 13, pelo rabino Ishmael
(primeira metade do século segundo D.C.). Estas "regras", ou métodos
foram ainda aumentados para 32 pelo rabino Eliezer, que também viveu no
século segundo da nossa era.
A aplicação desses métodos resultou em uma série de "leis", chamadas de Halachot, que estão compiladas nos livros Mechilta, Sifri, e Sifra.
Estes livros compõem uma forma de literatura de interpretação literal denominada Midrash Halachá.
Há também uma série de conteúdos, escritos pelos
sábios e estudiosos do Antigo Testamento, que não são de natureza
literal, mas sim de interpretações alegóricas,
simbólicas, onde várias figuras de linguagens são utilizadas para tentar
chegar à mensagem principal que o texto bíblico quer nos transmitir.
Esse conjunto de histórias simbólicas recebe o nome de Midrash Agadá, presente em livros como o Midrash Rabá, Pessicta e Tanchumá. Essas obras
trazem chaves de interpretação muito valiosas, que nos ajudam a entender o sentido real ( a Peshat) dos textos bíblicos.
E falou Caim Com o Seu Irmão Abel
Os estudiosos, na Midrash Rabá (o sentido
simbólico), sugerem três diálogos que poderiam ter levado à triste
confrontação física entre os dois irmãos, e que
culminou na morte de Abel:
1. Os irmãos teriam resolvido dividir o mundo. Um
deles tomou posse de toda a terra, enquanto que o outro reivindicou a
posse de todas as coisas móveis. Assim
que esta divisão se deu, um deles disse ao outro:
"Você está em minha propriedade, toda a terra é minha!", enquanto que o outro respondeu: "E as roupas que você está usando são minhas, todas as coisas me pertencem!"
Uma luta se iniciou, e Caim matou Abel.
2. A conversa deles não teria se dado em relação à possessão material, mas teria sido sobre o Beit Hamikdash, o Templo de Salomão, que seria
construído séculos depois da história de Caim e Abel. Ambos teriam reclamado domínio sobre o Templo.
E por isso uma luta se iniciou e Caim Matou Abel.
3. A briga não teve como motivo nenhuma das
possibilidades acima citadas. Caim e Abel teriam se confrontado por
causa de sua mãe, Eva, ou por uma de
suas irmãs. Uma luta se iniciou e Caim matou Abel.
Entendendo o Texto
Como podemos ver, a Midrash levanta mais dúvidas
do que respostas. Poderiam os estudiosos conhecer o conteúdo de uma
conversa, sobre a qual o texto bíblico
nada revela? E ainda mais, essas sugestões parecem ser mais bizarras do
que o próprio texto bíblico em si.
Como poderíamos considerar que Caim e Abel
tivessem discutido a respeito de quem teria a posse do Templo de
Salomão? O conceito do Templo, o Beit Hamikdash, só
apareceria séculos depois da morte dos filhos de Adão e Eva.
De forma semelhante, não há nenhuma evidência de
que Caim e Abel teriam se confrontado em razão de uma disputa por terra,
riqueza material ou por causa de uma
mulher.
Desde Caim e Abel, Nos Tornamos Melhores em Matar.
O Sentido Real e o Figurado
Posto deste modo, como nós utilizaríamos a
abordagem da Midrash, esta ferramenta tão importante e que nos auxilia
tanto na compreensão das histórias bíblicas,
para melhor entendermos a história de Caim e Abel?
Esta aparente "estranha" interpretação nos fornece
na verdade, o ponto de entrada no "mundo" da Midrash Ragadá, que é
muito interessante se devidamente
compreendida. Há uma grande diferença entre o "mundo" da Peshat (a interpretação real) e o da Midrash (o sentido simbólico).
A Peshat busca o significado direto do texto, onde
tudo é literal e concreto. Porém, no mundo da Midrash as regras de
interpretação mudam completamente. Os
Midrashim (estudos) são veículos, através dos quais os
estudiosos da Lei e do Antigo Testamento, usando os textos bíblicos como
ponto de partida, transmitem lições e ensinamentos
significantes.
Por isso os Midrashim não são tomados de forma
literal, nem entendidos como explicações do sentido específico de uma
passagem bíblica.
Então, nestas possibilidades do diálogo
possivelmente ocorrido entre Caim e Abel, a Midrash não está apenas
tentando esclarecer somente a história do primeiro
fratricídio, mas também oferece este primeiro evento violento da
história humana como um modelo dos confrontos físicos ocorridos através
do tempo, em todas as eras.
Ao examinarmos o curso da história da humanidade, o
homem vem assassinando os seus irmãos motivado pela disputa por ganho
material (posses e riqueza), ou por
causa da religião (representada pelo Templo de Salomão), ou por causa do
desejo por mulheres.
Todo o derramamento de sangue humano, e todos os
conflitos e guerras entre as nações, estão, de uma forma ou de outra,
ligados a esses três motivos básicos.
A Morte de Abel Continua a Ser Praticada
Este Midrashim serve como um sóbrio aviso de que o
homem não mudou, e não se moveu nem um milímetro para fora do campo do
assassinato de Abel. A despeito do
progresso social, nada, fundamentalmente mudou no ser humano. As causas
de conflitos tem permanecido notavelmente constantes em todas as épocas.
Se havia uma esperança no século 20, era de que o
progresso científico-cultural e tecnológico seriam automaticamente
acompanhados de um relevante avanço moral
também. Mas as guerras mundiais, os genocídios, as atrocidades
praticadas com o auxílio da tecnologia, só nos mostraram que nos
tornamos melhores em matarmos uns aos outros.
Um Convite Para Participar da História
Então, mais uma vez levantamos a questão: Porque a
Torah não nos informa o que Caim disse para Abel? Porque inicia uma
conversa cujo conteúdo deliberadamente
deixa de ser registrado?
Esta, sem dúvida, é uma omissão proposital, em que
podemos dizer que Deus deseja a nossa participação, preenchendo o vazio
deixado. Algumas vezes um texto
bíblico é deixado desta forma porque Deus quer nos fazer parceiros na
construção da história.
Deus nos desafia a ler a quantidade indeterminada
de possíveis lições presentes nesta passagem, e que são relevantes para
nossas vidas. O Gênesis não registrou
as palavras que Caim disse a Abel, porque Deus quer nos fazer entender
que aquelas palavras, sejam quais fossem, não justificam o ato cruel de
Caim.
Algumas vezes um ato é tão moralmente corrupto que
a sua causa ou motivação é irrelevante, nenhuma desculpa pode ser
oferecida. Nada pode justificar o ato
odioso de matar o seu irmão, nada pode justificar isso, não importa o
que tenha sido dito nesta conversa.
E através dessa omissão no texto, a bíblia nos
passa uma mensagem que é terrivelmente aplicável ao nosso tempo. Não
importa qual seja a causa, violência e
assassinato cometidos contra vítimas inocentes, são inescusáveis.
Deus quer que saibamos que Caim disse algo para
Abel. Porém, Ele quer que saibamos também que o que Caim disse é
irrelevante. Nós somos informados que uma
conversa aconteceu, mas não somos informados do conteúdo da conversa.
A bíblia é assim, algumas vezes ela nos ensina não pelo que foi escrito, mas por aquilo que se deixou de escrever.
fonte:http://www.rudecruz.com/estudos-biblicos/antigo-testamento/genesis/e-falou-caim-com-seu-irmao-abel-estudo-biblico.php
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