Antes de enviar as Dez Pragas ao Egito, Deus diz a Moisés:
“Eu, porém, endurecerei o coração de Faraó, e multiplicarei na terra do Egito os meus sinais e as minhas maravilhas.
Faraó, pois, não vos ouvirá; e eu porei
minha mão sobre o Egito, e tirarei meus exércitos, meu povo, os filhos
de Israel, da terra do Egito, com grandes
juízos.
Então os egípcios saberão que eu sou o
Senhor, quando estender a minha mão sobre o Egito, e tirar os filhos de
Israel do meio deles.” Êxodo 7:3-5
Esta é uma das passagens que mais provocou debates
de cunho filosófico sobre o livre arbítrio, entre os estudiosos da
Torá. Se foi Deus quem endureceu o coração
de Faraó, onde estaria a sua liberdade de escolha?
Se era Deus o responsável pelo endurecimento do
coração de Faraó, agindo sobre ele, controlando suas respostas,
determinando suas reações, então, como poderia
ser Faraó culpado ou digno de punição? Assim como afirmou Maimônides em
um de seus estudos:
“Se não houve livre arbítrio, por que direito ou justiça poderia Deus punir o culpado ou recompensar o justo? Não faria justiça o Juiz de toda a terra?”
O Endurecimento do Coração de Faraó
Punir Faraó por algo que ele não poderia evitar
fazer seria injusto. Porém examinando os detalhes dessa passagem,
encontramos uma resposta que está implícita
na forma como está construída, e nas palavras que são usadas, e que nos
ajudam a entender sobre o que Deus se referia ao falar com Moisés sobre o
endurecimento do coração de
Faraó.
Depois de cada uma das primeiras cinco pragas, enviadas ao Egito, o texto diz que Faraó endureceu o seu próprio coração:
Quando a vara de Arão, transformada em serpente tragou as varas-serpentes dos magos de Faraó:
“Porém o coração de Faraó se endureceu, e não os ouviu, como o Senhor tinha falado.” Êxodo 7:13
Quando as águas do rio Nilo se tornaram em sangue:
“Porém os magos do Egito também fizeram o mesmo com os seus encantamentos; de modo que o coração de Faraó se endureceu, e não os ouviu, como o Senhor tinha dito.” Êxodo 7:22
Na praga das rãs:
“Vendo, pois, Faraó que havia descanso, endureceu o seu coração, e não os ouviu, como o Senhor tinha dito.” Êxodo 8:15
Na praga dos piolhos:
“Então disseram os magos a Faraó: Isto é o dedo de Deus. Porém o coração de Faraó se endureceu, e não os ouvia, como o Senhor tinha dito.” Êxodo 8:19
Na praga dos Enxames de Moscas:
“Mas endureceu Faraó ainda esta vez seu coração, e não deixou ir o povo.” Êxodo 8:32
Na praga da pestilência sobre o gado:
“E Faraó enviou a ver, e eis que do gado de Israel não morrera nenhum; porém o coração de Faraó se agravou, e não deixou ir o povo.” Êxodo 9:7
É somente depois que a sexta praga é enviada que o endurecimento do coração de Faraó é atribuído a Deus.
Na 6º praga da sarna e úlceras:
“De maneira que os magos não podiam parar diante de Moisés, por causa da sarna; porque havia sarna nos magos, e em todos os egípcios.
Porém o Senhor endureceu o coração de Faraó, e não os ouviu, como o Senhor tinha dito a Moisés.” Êxodo 9:11-12
Após a 7º praga, saraiva e fogo:
“Depois disse o SENHOR a Moisés: Vai a Faraó, porque tenho endurecido o seu coração, e o coração de seus servos, para fazer estes meus sinais no meio deles,” Êxodo 10:1
Após a 8º praga, os gafanhotos:
“O Senhor, porém, endureceu o coração de Faraó, e este não deixou ir os filhos de Israel.” Êxodo 10:20
Após a 9º praga, densas trevas:
“O Senhor, porém, endureceu o coração de Faraó, e este não os quis deixar ir.” Êxodo 10:27
E finalmente, antes da 10º praga, a morte dos primogênitos:
“E Moisés e Arão fizeram todas estas maravilhas diante de Faraó; mas o Senhor endureceu o coração de Faraó, que não deixou ir os filhos de Israel da sua terra.” Êxodo 11:10
O rabino Rashi afirma que o
endurecimento do coração de Faraó, por Deus, nas últimas cinco pragas,
era uma forma de punição pela obstinação de
Faraó em não ter deixado o povo de Israel sair do Egito nas primeiras
cinco pragas.
Maimônides entendia que o
endurecimento do coração de Faraó significava que foi retirado dele,
como punição, a capacidade de se arrepender.
Obadiah Sforno interpretava que
Deus endureceu o coração de Faraó para precisamente restaurar sua
liberdade de decisão. Depois de uma sucessão
de pragas que devastaram a terra do Egito, Faraó estava sob uma
insuportável pressão para deixar que os Israelitas partissem.
Se ele tivesse permitido, não estaria agindo livremente, mas por force majure (força superior). Deus então teria endurecido seu coração para
que mesmo após as últimas cinco pragas, Faraó estivesse genuinamente livre para dizer sim ou não.
Aquele que Comete Pecado Torna-se Escravo do Pecado.
O Pecado Endurece o Coração
Todas essas abordagens são válidas, porém podemos
encontrar uma explicação muito mais simples e profunda nas palavras que o
Talmude utiliza para descrever
o יֵצֶר הַרַע yetzer hara, “a inclinação para o mal” (o impulso para o mal), ou o יֵצֶר רַע yetzer ra, “uma inclinação para fazer o mal”.
Estes termos hebraicos se referem à inclinação
humana em praticar o mal, por meio da violação consciente da vontade de
Deus. Estes termos estão presentes no
texto bíblico:
“E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente.” (יֵצֶר לֵב הָאָדָם רַע, yetzer lev-ha-adam ra) Gênesis 6:5.
O yetzer hara não é uma força
demoníaca, mas o mal uso de tudo o que o corpo físico precisa para sua
sobrevivência. Assim, a necessidade do
alimento se torna em glutonaria. A necessidade de procriação se torna em
abuso no uso do sexo, e assim por diante, se o yetzer hara, o impulso
para o mal não for controlado.
Bom, mas voltando ao Talmude, sua explicação sobre o impulso para o mal diz:
“O Rabi Assi disse: A princípio, o impulso para se fazer o mal é tão fino, tão frágil quanto uma teia de aranha. Mas no final, ele se torna tão grosso como uma corda.
Rava disse: A princípio a inclinação para o mal é chamado de turista viajante, logo em seguida, de hóspede, e finalmente de mestre.”
O MAL tem duas faces. A primeira – direcionada ao
mundo exterior – oprime e castiga as suas vítimas. Mas a segunda –
direcionada para dentro de si mesmo –
oprime de castiga até mesmo aquele que o pratica.
O MAL aprisiona aqueles que o praticam, em suas “teias”. Vagarosamente, quase que sem perceber, quem pratica o mal, vai
perdendo sua liberdade, e no final se torna seu escravo.
“Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é servo do pecado.” João 8:34
A Perda Gradual da Liberdade
Faraó é de fato uma trágica figura, presa em sua obsessão,
que pode até ter tido um início racional, certo ou errado, ele ainda
tinha algum
controle, podia decidir o que estava fazendo, mas que no final acabou
por tomar conta dele, e que levou não somente ele, mas todos que estavam
ao seu redor à ruína.
Isso é precisamente declarado quando os próprios conselheiros de Faraó o avisam:
“E os servos de Faraó disseram-lhe: Até quando este homem nos há de ser por laço? Deixa ir os homens, para que sirvam ao Senhor seu Deus; ainda não sabes que o Egito está destruído?” Êxodo 10:7
Mas a este ponto, a racionalidade de Faraó já se
havia perdido. Ele já estava possuído, era escravo do pecado, o MAL que
ele havia praticado, contra os filhos
de Israel, agora tinha se assenhorado dele.
O MAL era o seu mestre e senhor, e Faraó não mais daria ouvidos a ninguém, estava preso, cativo em sua obsessão.
E é isso o que Deus queria dizer quando dizia que
endureceria o coração de Faraó. Deus permitiu que o próprio MAL que
Faraó havia praticado, se assenhorasse
dele.
“Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas.” Isaías 45:7
E através dessa narrativa nós podemos entender não
somente o ocorrido com Faraó, mas com muitos outros tiranos, ditadores,
detratores que vem aparecendo de
tempos em tempos no mundo. É esse fundamental entendimento que faz da
bíblia uma peça única na literatura religiosa.
A Torá ensina suas verdades morais mais por meio
de narrativas, do que por discursos filosóficos ou científicos. É só
comparar o tratamento que a Bíblia dá ao
livre arbítrio com as grandes teorias filosóficas e científicas sobre
liberdade de escolha.
Para estes sistemas, liberdade, invariavelmente,
existe ou não existe. Ou nós somos “sempre” livres para decidir, ou
nunca somos. Alguns sistemas filosóficos
acreditam na primeira opção – a liberdade estaria sempre presente nas
nossas decisões.
Outros preferem a segunda – aqueles que acreditam
no determinismo causado pelas forças sociais, econômicas ou históricas,
dizem que nunca somos livres.
Porém ambos são radicais demais para descrever a
complexidade que envolve a vontade e as decisões humanas, como elas
realmente são.
A crença de que liberdade é um fenômeno “tudo-ou-nada” – de que ou nós possuímos liberdade todo o tempo, ou de que nunca a possuímos – nos
impede de vermos que na verdade há degraus, níveis de liberdade, que podem ser conquistados ou perdidos.
E essa perda se dá de forma gradual. E se nós não
exercitarmos o Espírito, corremos o risco de nos tornarmos objetos
controlados pelos caprichos do desejo, que
muitas vezes se tornam em obsessões.
E esta narrativa, do livro do Êxodo, descreve de
forma sutil, a descida gradual de Faraó, em direção à autodestruição, à
medida em que se deixa dominar pela
maldade, tornando-se escravo da prática do MAL.
Faraó é um grande exemplo para todos os homens. O governador do maior e mais poderoso reino da antiguidade, governava a todos, menos a si mesmo.
A este ponto, não era mais os Hebreus que eram
escravos, mas este rei – escravo de sua obsessão em acreditar que era
ele quem controlava a história do mundo, e
não Deus.
Muitas coisas podem nos influenciar, nossos genes,
nossos pais, nossa infância, nossa raça, nossas crenças, as pressões do
ambiente em que vivemos. Mas estas
influências não podem nos controlar. Isso porque a nossa fé está
fundamenta no Deus da liberdade, o Deus que liberta.
“Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.” João 8:36
Faraó nasceu livre, mas acabou escravo de si
mesmo. Moisés nasceu em uma nação de escravos, mas ao chamado divino
liderou seu povo para a liberdade. A liberdade
é assim, pode ser facilmente perdida, é o maior dom que Deus concedeu ao
homem.
É necessário renúncia, renunciar a si mesmo, aos
seus próprios desejos para se manter no caminho da liberdade e atingir o
ponto que leva a cura de um
coração endurecido.
“Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo não venha de alguma maneira a ficar reprovado.” 1 Coríntios 9:27
fonte:http://www.rudecruz.com/estudos-biblicos/antigo-testamento/exodo/porque-deus-endureceu-o-coracao-de-farao-estudo-biblico.php
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